Abri minha bolsa e retirei um, coloquei-o entre meus lábios e em um flash de luz a fumaça misturou-se com o ar. Fiquei parada ali te observando ir embora com todas as suas verdades atrás dos olhos, apelos na língua e mãos dormentes. Todas as suas palavras eram tragadas por mim, eu pude sentir a sua respiração correr meu pulmão e depois caminhar na brisa diurna. Talvez eu devesse esperar mais uns cinco minutos, caso você voltasse e revirasse seus olhares em busca de decência nos meus, mas não sobrou nada, uma gota mínima de limpidez.
Eu sabia que você não voltaria e alucinadamente eu me perdia entre os espaços do tempo sentada na cadeira daquele café, cada tragada manchava o vermelho da minha vida, agora tudo era negro e sublime, negro e solitário assim como os seus inalcançáveis tormentos. Era manhã, o sol aquecia, mas nada queimava, tudo apenas cristalizava e enfeitava o meu céu particular.
Subitamente decidi levantar e deixar as lembranças ali sentadas para o nosso próximo encontro com hora, lugar e traições marcadas não apenas no relógio, mas em nossos rumos. Então caminhei pela rua observando o colorido dos carros que passavam a procura de um destino, cheios de corpos de almas vazias, com suas histórias rasuradas atrás de seus vidros fechados a procura de proteção, a procura de amparo e de independência para viverem seus próprios sentimentos sem precisar esconder-se na sobras das sombras de outros corpos tão perversos. Outro flash de luz diante dos meus olhos, a fumaça de espalha pela avenida levando embora metade de meus anseios e desculpas. Passos lentos e coordenados me levavam a lugar algum, eu não tinha itinerário, não haviam pontos nem embates, apenas eu tragando meus reconhecimentos e lançando nos ares enfeitiçados do centro da cidade.
Meu sofá não era precisamente o melhor retiro no momento, eu precisava aliviar-me em outros espaços, deleitar-me em outras camas e aspirar recriações. Procurei incessavelmente pela pequena agenda no minúsculo espaço da minha bolsa, passei meus dedos pelos nomes e números, por que estavam tão distantes agora? Não pude sentir suas existências tocarem a minha, vaguei meus dedos nervosos por todas as páginas até encontrar teu nome, minha perturbação, minha pulsação, insaciedade, ódio e metade. Não pude, não podia lhe telefonar, era injusto, indigno, uma voz vazia do outro lado da linha me consumiria. Decidi por fechar a agenda e colocá-la na bolsa novamente.
Mais uma vez mesclei meus sentimentos com os da cidade, um flash de milissegundos acendia minhas inspirações. Continuei caminhado sem observar meu redor, continuei deixando tudo para trás e redescobrindo as esquinas. Termino sem rumo, sem paz nem acalanto para repousar minhas mágoas, termino com um cigarro entre os lábios manchado de batom vermelho, tentando fazer parte de um mundo onde o único espaço que me coube foi misturar meus sentimentos com o ar, levando um pouco de mim para as vidas, correndo pela brisa da cidade, levando tão longe até chegar em você. Então meu telefone tocará novamente e recomeçará toda minha jornada achada por estas mesas, tão conhecidas e inventadas por nós.